A Pedra da Mina (2.797 m de altitude)

Adepto da linha criacionista, quanto mais o tempo passa, mais encantado permaneço com as obras divinas. A narrativa deste texto tratará de uma investida que ocorreu em pleno mês de julho em uma cadeia de montanhas conhecida como Serra Fina. A Pedra da Mina é a mais alta montanha do Estado de São Paulo, classificada como a quarta montanha brasileira em altitude com seus 2.797 metros. Não sei afirmar com precisão, mas entre os montanhistas circula a fama de que a Pedra da Mina é a maior rocha alcalina que existe. Chegar até o topo desta montanha não é uma atividade para amadores, nem tanto pela navegação visual que não é tão complexa, mas pelo condicionamento físico que a mesma exige, chegando a ser exaustivos os ataques montanha acima. Através de algumas dicas cheguei no ponto de partida juntamente com Gabriel.  Uma cabocla muito humilde veio nos receber solicitando para que deixássemos registrados os nossos nomes em um livro de visitas. Depois ela nos apresentou o seu pai que na região é conhecido apenas por Zé Ramos. Este se comprometeu a nos levar até as primeiras águas de um riacho para que depois seguíssemos a sós. Ingressamos na trilha e percebemos que a parte inicial possui uma seqüência de bifurcações que podem confundir os montanhistas. Prosseguimos pela trilha sob a mata fechada, com muitas árvores, cipós e alguns troncos caídos no meio do caminho. Investimos horas de subida, sempre acompanhados de mata por ambos os lados.  Ao avistar uma clareira, cansados, consultamos o relógio e percebemos que a hora do almoço se aproximava. Soltamos as mochilas que pareciam ter dobrado de peso em relação ao início da caminhada. Fizemos um almoço e enchemos os recipientes de água para prosseguir. Logo deixamos de seguir pela mata fechada e começamos a investir nas primeiras escaladas. Orientados pelos totens seguimos por uma seqüência de árduas subidas. Nas enormes valas entre as montanhas, voltávamos a transpor alguns trechos de mata fechada. A nossa esperança de chegar ao nosso destino ia sempre por água abaixo no momento em que chegávamos ao topo de uma nova montanha, pois desta avistávamos outra mais alta ainda a ser superada. Entre uma montanha e outra pudemos encontrar um casal de lindos pássaros com tonalidades das cores azuis, pretas e com cristas vermelhas. Existiam também algumas flores com cores distintas, algumas vermelhas, outras amarelas e ramalhetes naturais de pequeninas flores brancas. Prosseguimos até que comecei a ficar preocupado com o poente que logo chegaria. Com o cair da noite a nossa caminhada ficaria visualmente mais difícil. Finalmente após subirmos mais um cocuruto avistamos a famosa Pedra da Mina. A sensação foi algo entre o prazer e o desespero. Prazer por apreciar tamanha beleza e desespero por saber de onde tiraríamos mais energias para vencer as suas dimensões. Decidimos enfrentar o desafio final, que parecia ser descomunal. Eu sentia minhas forças esvaindo-se a cada galgada. Sem parar de galgar as rochas, no horizonte o sol se pôs rapidamente e a noite não tardou a chegar. Felizmente a navegação visual que costuma apresentar dificuldades ao anoitecer não ocorreu, pois para nossa alegria a lua surgiu resplandecente, não sendo necessário nem utilizar as lanternas. Em sua fase crescente o satélite brilhava com toda a sua exuberância e nos dias vindouros teríamos a aclamada lua cheia. Chegamos cansados, mas felizes ao topo da montanha. Com a partida do sol, a temperatura havia diminuído bruscamente em questão de minutos. O Sol é a vida em qualquer lugar do mundo, mas nas montanhas este fato é mais do que peculiar. Finalmente chegamos ao topo da Pedra da Mina e tínhamos que montar rapidamente a barraca para nos abrigar e trocar as roupas molhadas de suor por roupas secas e que pudessem nos aquecer. Montamos a barraca  e entramos na mesma. A temperatura estava em aproximadamente cinco graus centígrado, mas a sensação térmica propiciada pelo vento era de estamos próximos do zero grau. Depois de aquecidos, resolvemos sair das barracas para conversar com outros montanhistas que lá estavam; cerca de cinco montanhistas estavam fazendo a travessia da Serra Fina, considerada uma das mais difíceis do Brasil quando realizada em poucos dias, pois exige muito preparo físico. O vento no cume da Pedra da Mina chega a ser impressionante. Tempos atrás os montanhistas ergueram uma pequena fortaleza empilhando algumas rochas, formando um abrigo próximo a uma pequena clareira. São poucos os lugares para acampar no cume da montanha. A Pedra da Mina fica perto da divisa dos três Estados, Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais. Avistamos cidades destes três Estados. A imagem é divina, pois às luzes das cidades à noite se assemelham a pequenos diamantes luminosos oscilando em variadas tonalidades. É algo mágico, simplesmente inefável. O vento cada vez mais forte impossibilitou a permanência fora da barraca, assim retornei para descansar os músculos que anteriormente havia levado a exaustão. Não demorou até que caísse em sono profundo, mas por volta de uma hora da madrugada acordei com um barulho peculiar. As laterais da barraca chacoalhavam fortemente e reparei em um barulho que ora se assemelhava a uma queda d’água de cachoeira, ora a uma telha de zinco solta colidindo com outras. Por incrível que pareça esse era o barulho do vento que também produzia o som de um uivo impressionante. Quando amanheceu fomos registrar os nossos nomes em um livro que permanece dentro de a uma valise de metal inoxidável amarrada a um cabo de aço em uma rocha. Nesta mesma rocha existe uma pequena roda de metal chumbada com as inscrições do IBGE. Em outra rocha um pouco mais à frente pudemos ver as inscrições da Universidade de São Paulo em um artefato similar, chumbada na ocasião em que os pesquisadores da USP comprovaram através de um equipamento GPS (Sistema de Posicionamento Global) que a Pedra da Mina é mais alta do que o Pico das Agulhas Negras, fato que não constava nas cartas de navegação aérea até poucos anos atrás. Tais pesquisadores chegaram a detectar que a temperatura na Pedra da Mina pode chegar a dez graus negativos em condições adversas e extremas. Estávamos preparados com sleeping bags capazes de suportar temperaturas que variassem até dezoito graus negativos. Felizmente não presenciamos temperaturas extremas, embora o frio que fez tenha sido capaz de ressecar a pele e deixá-la muito avermelhada, um efeito de frio e sol durante os dias. Em 1985 o Pico Agulhas Negras e arredores chegou a ser coberto por cerca de quarenta centímetros de neve. Abaixo de zero grau já é suficiente para nevar, embora nunca presenciei em minhas expedições mesmo já tendo enfrentado três graus negativos. O máximo que já presenciei foi água congelada e a vegetação coberta de gelo das geadas. Para nevar não basta apenas estar frio. Faz-se necessário um nível de umidade também, muito difícil de ocorrer em regiões cujo o inverno é considerado seco. Mas o que impressionou mesmo foram os ventos fortes e constantes, mas justamente a sensação térmica que provavelmente deixaria muito confortável qualquer animal que reside nas mais gélidas regiões do planeta. No dia seguinte nos despedimos dos demais montanhistas que persistiram na travessia. Ficamos com a montanha só pra nós. De longe avistamos um avião que caiu há anos atrás caiu na serra. Para chegar ao local calculamos que levaríamos em algumas horas entre ida e volta, por isso resolvemos deixar para outra ocasião.  No outro dia permanecemos a maior parte do tempo em silêncio interior, contemplativos e reflexivos em um dos lugares mais apaixonantes que já tive oportunidade de estar. Aproveitei a ocasião para fazer algumas considerações sobre a minha vida pessoal e profissional. No dia seguinte chegou o momento da dolorosa despedida. Na noite anterior podíamos observar grandes clarões de relâmpagos nas serras frontal e lateral. O tempo começou a inverter rapidamente pela assim que o dia amanheceu. Pegar um temporal naquela altitude seria danoso e perigoso. Aceleramos a velocidade na descida com muita atenção. Fizemos paradas muito curtas e em uma delas avistei uma linda flor azul que me chamou muito a atenção. A navegação visual estava comprometida com a densa neblina, mas conseguimos êxito na primeira empreitada. Quando chegamos a parte da mata fechada, o vento misturou a neblina com poeira. Galhos voavam e árvores estavam caídas sobre a trilha. Lembrei-me que a energia despendida em tempestades em florestas pode ser danosa e muito perigosa. Felizmente também vencemos a segunda etapa. Assim que chegamos nas dependências do carro, o céu desabou em chuva. E foi assim que mais uma experiência foi registrada para contar na posterioridade.

De repente,

por trás de sua cabeça,

vi a neve,

as grandes árvores que na altura se uniram

e aqui, de novo

sobre a terra,

me acolhia com um sorriso

e me dava a mão,

a mesma

que me mostrou o caminho

lá longe nas ferruginosas

cordilheiras hostis que venci.

E aqui não era pedra

convertida em milagre, nem a luz

procriadora, nem o benefício azul da pintura,

nem todas as vozes do rio,

os que me deram a cidadania

da velha cidade de pedra e prata

mas um homem

como todos os homens

Por isso creio

cada noite no dia,

e quando tenho sede creio na água,

porque creio no homem.

Creio que vamos subindo

o último degrau.

Dali veremos

a verdade repartida,

a simplicidade implantada na terra,

o pão e o vinho para todos.

Trecho do poema A Cidade de Pablo Neruda

Antologia As Uvas e o Vento