Pico das Agulhas Negras (2.789 metros de altitude)

 

Expedição ao Pico das Agulhas Negras

    Há tempos a minha paixão pelo montanhismo pulsa forte em meu peito. Comecei a escalar por acaso, sem interesse aparente. Mas quando me dei conta este tipo de atividade já havia se transformado em mais uma atividade que exerço com afinco, amor e dedicação. É lamentável que a escalada em montanhas rochosas seja uma atividade sazonal. Ocorre comumente no mês do inverno, pois em épocas de chuvas, a queda de raios e as rochas escorregadias aumentam consideravelmente o risco desta atividade fascinante. Pude desfrutar desta experiência nas alturas no início do inverno  juntamente com Alex, Neil, Zé Carlos, Ricardo, Tiago, Henrique e outros companheiros. O desafio era chegar ao topo da maior montanha do Estado do Rio de Janeiro, o Pico das Agulhas Negras também é conhecido como a quinta maior montanha brasileira com seus 2.789 metros de altitude, sendo que a mesma permanece dentro das dependências do Parque Nacional do Itatiaia. Juntamente com um grupo de dez amigos acabei por me dispor à empreitada de chegar ao cume da belíssima montanha. Tudo começou pela manhã com três quilômetros a percorrer a pé em uma estrada de terra até o início da trilha. Isto era o começo do desafio que apenas nos serviu como aquecimento ao que viria pela frente. Ao ingressar na trilha o grupo acabou se fracionando devido ao fato de terem ritmos de caminhadas diferentes. Cincos integrantes dispararam na frente pela trilha mata adentro, sumindo do deslumbrante panorama. Eu permaneci caminhando sozinho na intermediária e atrás de mim um outro grupo seguiu em seu ritmo. É importante respeitar o condicionamento físico de cada um, obedecendo ao ritmo natural e respeitando cada organismo. Depois de uns quarenta minutos de caminhada, encontrei o grupo que seguia à frente descansando próximo de algumas rochas. Ao lado deles existiam algumas pequeninas lagoas de águas transparentes provenientes de uma nascente. Aproveitei para sentar e descansar. Na ocasião em que tirei um isotônico de minha mochila pude perceber que dois pássaros se aproximaram muito. Reparei que não tinham receio algum em se aproximar, tanto de mim como dos demais integrantes que ali descansavam. Registrei algumas fotos a menos de um metro de distância do pássaro que calmamente permanecia sobre a rocha. Verificando que o mesmo continuava ali, moí parte de uma bolacha integral. Pedi para que um dos companheiros segurasse o farelo esmiuçado em uma das mãos. O meu intuito foi de que o pássaro viesse comer o farelo na mão. E assim aconteceu, momento em que aproveitei para registrar o pássaro pegando um pequeno grão no bico e depois se afastando. Mais alguns minutos descansando e tive a impressão de ter visto um pequeno roedor. Nas montanhas existem alguns tipos de roedores. São muito diferentes de nossos roedores que vivem na imundice dos esgotos. Os roedores das montanhas convivem com coisas límpidas, como o ar puro e água mineral cristalina. Pouco depois de avistá-lo, um dos companheiros conseguiu registrar o roedor encima de seu calçado, sem o mínimo receio de sentir-se ameaçado por quem quer que seja. Fiquei encantado com a integração dos seres humanos com o meio-ambiente naquele local, onde homens e animais convivem em perfeita harmonia, desfrutando de em um ecossistema em perfeito equilíbrio e fundindo-se em algo único. Alguns minutos depois, o grupo dos companheiros que vinham atrás começou a chegar. O grupo dos cinco companheiros que descansando estava partiu com intuito de chegar ao cume. Depois de um tempo, prossegui com a caminhada. Caminhar na intermediária não era ruim. Fui me adaptando ao caminho e conhecendo aquele lugar maravilhoso pelo qual nunca havia passado antes. Só deveria tomar cuidado para não me perder na navegação visual, afinal, ficar perdido seria um complicador. Ainda bem que com alguns anos praticando o montanhismo acabei desenvolvendo uma boa noção de direção. Entretanto, não me baseio no excesso de confiança, pois já li muitos relatos e assisti reportagens de gente perdida em regiões montanhosas. Prossegui em paz contemplando o dia magnífico que apresentava um céu azul anil impecável. Em algumas ocasiões o vento frio chegava a impressionar, mesmo com o sol estatelado bem a acima de mim. Cheguei a ter dores nos ouvidos com os ventos frios que pareciam querer cortar a alma ao meio. Breve as subidas mais íngremes apareceram. Em algumas ocasiões consegui avistar os cincos companheiros que iam adiante em algumas inclinações. Depois, devido às posições das rochas, perdia novamente o contato visual. O mesmo ocorria quando eu olhava para baixo, avistando em certas circunstâncias o grupo dos cinco companheiros que seguia atrás. O Pico das Agulhas Negras apresenta uma formação rochosa alcalina, coisa que não existe em todas as montanhas. Aproveitei contemplando a bela paisagem e fazendo esforço ao subir a montanha. Não tentei em momento algum acompanhar o ritmo grupo da frente, pois o intuito era poupar energias para a etapa final da escalada à montanha, justamente o trecho em que os níveis de dificuldades aumentam. Continuei subindo sem parar e a cada vez que conseguia vencer obstáculos íngremes, surgiam outros maiores logo à frente. Com o tempo alcancei um dos integrantes que seguia à frente, e, minutos depois encontrei o restante do grupo descansando. Existia um estado de cansaço evidente na feição de todos. Resolvi não sentar e procurei descansar em pé mesmo. O outro grupo deveria estar cerca de 20 minutos atrás de nós. Pelos ânimos dos rapazes, percebi que eles iram esperar o outro grupo. Entretanto, o tempo começou a avançar. Se por eventualidade demorássemos muito ali, na volta a noite poderia chegar e complicar a navegação visual. Não tínhamos levado material de acampamento, mesmo porque naquela localidade é proibido o acampamento. Foi aí que tomei a decisão de prosseguir sozinho a investida rumo ao cume. Um inconformismo havia tomado conta de mim alertando que eu deveria chegar ao cume, afinal já havia vencido a maior parte do caminho. A estimativa era de que ainda restava cerca quarenta minutos para atingir o cume, mas eu nem fazia idéia dos obstáculos que ainda existiam pela frente. Resolvi prosseguir montanha acima usando alguns conceitos e noções que aprendi nos anos de prática do esporte de subir montanhas. A minha esperança de ter seguido à frente foi a de estimular os outros a me seguirem em breve. Prossegui então, mesmo sem saber se viriam atrás de mim. Em alguns trechos tive que arremessar a mochila e depois usar muita força nos braços. Em algumas ocasiões tive a impressão de usar quase todos os músculos do corpo, ora me apoiando com as costas em algumas rochas, ora usando pernas, ombros e até cotovelos. Depois de passar próximo de várias fendas, tive que caminhar por baixo de uma enorme rocha e subir a mesma pelo outro lado. De lá percebi que estava bem próximo do meu objetivo. Só havia um pequeno problema. Existia uma perigosa vala entre a pedra que eu estava e o lugar para em que eu deveria ir. De repente avistei um guia descendo com uma corda. Ele conduzia um casal de turistas japoneses. Entretanto, assim que o guia me viu, demonstrou logo de cara que não gostou de me ver ali. Provavelmente ele equivocadamente pensou que eu fosse um possível concorrente a ocupar a atividade de guia. Foi neste instante que ocorreu uma situação que jamais havia ocorrido comigo em todo tempo que pratico o montanhismo. O guia recolheu a corda e demonstrou que realmente não queria conversa. Geralmente nas montanhas encontramos pessoas solidárias e não inóspitas. Mas fazer o quê! O mesmo ocorre na vida, pois nem sempre agradamos a todos. o jeito foi lançar a minha mochila para o outro lado da vala. Depois fiz uma oração a Deus pedindo a suas bênçãos e proteção ao ato que  haveria de realizar. Depois da oração consegui passar de uma pedra para a outra, transpondo a vala mais perigosa da via. Com o peito colado na rocha da frente, permaneci segurando firmemente com as mãos e os pés encaixados em  algumas fendas, e, sem poder escapar, teria que fazer muita força nos braços para projetar meu corpo acima. A probabilidade de morrer em uma queda ali era muito grande. Mas o melhor aconteceu e logrei êxito em minha investida. O guia com a corda ainda em mãos não moveu um músculo para ajudar e continuou carrancudo, sem manifestar o menor sinal de solidariedade. Quando consegui ficar emparelhado em um outro paredão, ele passou muito próximo de mim sem dizer uma única palavra. Continuei a investida até que, minutos depois, lá estava eu no cume do Pico das Agulhas Negras. Tempos depois outros cinco companheiros conseguiram atingir o cume. Os demais optaram por ficar em uma formação rochosa um pouco mais abaixo, antes de uma vala perigosa. Do alto pude desfrutar de uma visão impar que só me fez agradecer a Deus; não só por ter chegado até o topo, mas por poder deslumbrar por vários ângulos de mais uma das maravilhas divinas. No topo, as enormes rochas pontiagudas se assemelham a enormes agulhas rochosas emparelhadas. De lá avistamos muitas outras montanhas. Após 20 minutos de descanso, tivemos que iniciar o retorno. Nas montanhas, as descidas requerem muita cautela e atenção. Um dos companheiros, sabendo que eu havia sofrido uma intervenção cirúrgica no joelho esquerdo, formou uma espécie de escada de apoio com sua perna nas proximidades da vala. Isto permitiu com que eu apoiasse o pé esquerdo na perna dele e lançasse o resto do corpo em direção a uma rocha abaixo, amenizando grandemente o impacto. Se na subida não pude contar com a solidariedade do guia, na volta este companheiro  me concedeu um apoio maravilhoso. Assim tivemos um dia maravilhoso e abençoado pelo Criador.