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Topo do Pico dos Marins - Serra da Mantiqueira - 2.422 metros 

 

Pico dos Marins (Expedição Jaguatirica)

    Compartilho com os amantes da natureza, os fatos e imagens das atividades vividas em um feriado. O Pico dos Marins é uma das montanhas mais altas do Estado de São Paulo (2.422 m). A montanha ficou muito conhecida após o inexplicável sumiço do escoteiro Marco Aurélio, um dos casos de desaparecimento mais misteriosos do mundo. Já estive outras vezes no local. Conversando com a equipe, chegamos a um consenso de que deveríamos batizar a expedição com um nome, assim, nomeamos de Jaguatirica. Trata-se de um animal felino ainda não extinto na região, que graças ao bom Deus somente avistei poucas vezes na vida. Certa vez, há alguns anos atrás, na mata fechada que leva até as primeiras montanhas da região. Mesmo a certa distância, o bramido assustador do animal conseguiu colocar pavor em alguns montanhistas, embora na natureza, estes animais apenas atacam quando se sentem realmente ameaçados. Em uma destas ocasiões, conheci um morador da região da Serra da Mantiqueira que capturou uma fêmea em armadilha e tirou algumas fotografias, soltando o animal depois. Apesar de bonito, muita gente garante que é bem melhor ver assim, apenas em imagens. Infelizmente a tendência de muitos animais de nossa região é a extinção, assim como o Lobo Guará que o dono de uma pousada conseguiu filmar ao se aproximar de um grupo de turistas, transmitindo a filmagem no jornal regional. Os pássaros ainda são o maior encanto da região, mas dependendo de suas características, os caçadores não perdoam. Entretanto, algo começa a melhorar neste sentido, pois antigamente encontrávamos mais caçadores, pois raramente cruzávamos com pessoas no caminho de subidas às montanhas. Atualmente, com o aumento de algumas tribos de adeptos da natureza, raramente encontramos um caçador na trilha. Ainda carrego comigo o peso na consciência do tempo em que era mais jovem, pois costumava caçar certas espécies de marrecos. Mesmo não sendo uma caça puramente esportiva, pois nos alimentávamos da caça, um dia acertei uma ave que veio a cair sobre minha cabeça e estrebuchar aos meus pés. Aquela cena me fez refletir sobre o fato de ver aquele ser morrendo daquela maneira, o que me chateou bastante. Dias após, caçando paturis durante uma noite de lua cheia, o tempo ficou nublado e cheguei muito próximo de uma cascavel, onde o chacoalho do guiso dela confundia sua localização e foi muito difícil saber para que lado sair. Depois destes fatos, refleti sobre o assunto e resolvi não caçar mais. Agora por muito tempo estou do outro lado, ou seja, a favor da preservação. Mesmo sabendo que ninguém é perfeito, estas lembranças do passado me incomodam algumas vezes. Bem... Voltando a subida ao Pico dos Marins, a nossa equipe começou a caminhada pelas trilhas fechadas até atingir as primeiras montanhas. Para se chegar ao cume são necessários esforços físicos e determinação. Os integrantes mais velhos ensinaram aos mais novos a como se orientar pelas pequenas pedras agrupadas que escoteiros há tempos existentes no local. Existem vários relatos de pessoas que se perderem ou sofrendo acidentes fatais em lugares íngremes. Aqueles que estavam com mais fôlego e resistência, animavam os demais na escalada. Aos poucos fomos vencendo uma sucessão de montanhas. O peso das mochilas que anteriormente pesavam cerca de 10 quilos com alimentos e todos os equipamentos necessários aparentavam ter uns 30 quilos com o passar da caminhada. Respeitamos o ritmo de cada componente e fizemos paradas quando estritamente necessárias. Não podíamos deixar escurecer e precisávamos chegar pelo menos próximo ao local para encontrar um local apropriado para acampar. Minha preocupação maior era com meu joelho esquerdo operado há alguns meses atrás. Mesmo após enfrentar quatro meses de fisioterapia e tendo recuperado a musculatura, temia não conseguir chegar ao local desejado. Tratava-se de uma prova de fogo para mim, pois não desejava de forma alguma frustrar o passeio da equipe interrompendo a subida. Graças a Deus, levei apenas dois tombos que não prejudicou o joelho e não eram em lugares perigosos. Depois de algumas horas de caminhada, bastante cansados, os integrantes do grupo chegaram ao limite de suas forças ao pé do Pico. O ar rarefeito aumentava ainda mais o cansaço, e, uma das integrantes não sentia mais seus pés e estava com palpitação no coração. Assim, aconselhamos para que não insistisse para que algo pior não acontecesse. Avistamos uma clareira e fomos a sua direção para montar nossas barracas. O por do sol estava divino, e, breve, o poente chegaria. O vento gélido começava a aumentar sua velocidade, mas sabíamos que seria apenas o começo da ventania. Armamos um pequeno fogareiro e começamos a cozinhar. Já era noite e a temperatura atingiu quatro graus. A Via Láctea podia ser vista com perfeição, tudo estava muito lindo. A lua minguante estava exuberante. Nunca em toda minha vida, vi o Cruzeiro do Sul com tantos detalhes e estrelas a sua volta. Havia uma tribo de montanhistas na montanha abaixo da nossa e outra acima acampada no Pico. Em Código Morse o pessoal tentava se comunicar com lanternas. Com o avançar da noite, começou a ficar insuportável permanecer fora das barracas, assim nos recolhemos. A integrante que passava mal tomou um remédio para dores e foi dormir. Entretanto, dormir não era uma tarefa fácil com o avanço da madrugada. Mesmo dentro das barracas e do saco de dormir que suporta até zero grau, com luvas, blusas grossas, calças e meias, a baixa temperatura fez tremes os corpos da equipe durante a madrugada. Nem mesmo o conhaque e o vinho levados conseguiam nos aquecer. Havia horas que o vento parecia que levaria a barraca conosco e tudo dentro. Enfim, começou a amanhecer e o nascer do sol deu mais um belo espetáculo. Ainda estava muito frio, mas os integrantes mais velhos da equipe decidiram por investir no desafio final, o ataque ao cume. Por voltas das sete horas, iniciamos a escalada. Havia locais que a inclinação era acentuada tínhamos apenas as frestas para nos apoiar. Mesmo utilizando luvas, dava para sentir a fria temperatura das pedras alcançando nossas mãos. Depois de uns trinta minutos, atingimos o topo da montanha. Os termômetros dos integrantes da tribo de montanhistas que lá estavam registravam dois graus naquele momento. Segundo eles, os mesmos registraram zero grau por volta das três horas da madrugada e ninguém mais teve coragem de sair para o lado de fora da barraca depois disto. Na verdade, esta é a temperatura esperada por todos que vão aos Marins na fria estação, melhor ocasião devido não haver chuvas e relâmpagos, pois o inverno é seco nesta época na região. A visão do topo é impressionante. Ao sudeste pode-se observar a Serra do Mar. Já olhando para o nordeste observa-se a Pedra Redonda e dos Três Estados (a quarta montanha mais alta do Brasil). Entre o Pico dos Marins e a Serra do Mar é possível avistar nitidamente várias cidades do Vale do Paraíba. Olhando em outra direção pudemos ver as cidades do estado de Minas Gerais havíamos visto durante a noite com suas luzes acesas. Naquele momento, o vento parecia cortar os corpos das pessoas que lá estavam, passando zunindo pelas orelhas e arrancando lágrimas de nossos olhos. No cocuruto da montanha, registramos as últimas fotos das maravilhas da natureza. Em uma delas, apareço agachado e contemplativo. Permaneci a imaginar o quanto somos ínfimos diante Daquele que criou tudo isto. Literalmente e simbolicamente, estava acima das nuvens, próximo dos céus, lembrando-me do trecho da música Eu Era um Lobisomem Juvenil da Legião Urbana: “... Se o mundo é mesmo parecido com que vejo, prefiro acreditar no mundo do meu jeito. E você estava esperando voar, mas como chegar até as nuvens com os pés no chão...”. Depois de conversar mais um pouco com alguns estudantes e empresários que estavam acampados, iniciamos no decida. Assim que comecei a descer, lembrei de outra música A Montanha dos Engenheiros do Hawaii: “Nem tão longe que eu não possa ver, nem tão perto que não possa tocar, nem tão longe que eu não possa crer, que um dia eu chego lá, nem tão perto que possa acreditar, que o dia já chegou, no alto da montanha, num arranha céu...”. A descida durou cerca de quatro horas e na volta tomamos um susto com uma Urutu, cobra venenosa típica da região que quase deu-nos um bote. Embora com algumas dores no corpo, sempre continuarei a realizar estas investidas nas montanhas. Descobri que é uma terapia que combate o estresse do dia-a-dia e que permite existir através da filosofia de intensamente viver a vida. Carpe Diem.

 

Imagens do Pico dos Marins (© André Prado)