A Travessia Pico do Itaguaré ao Pico dos Marins

Travessia02.jpg (44529 bytes)A Travessia Itaguaré-Marins (ou vice-versa) foi um desafio que exigiu um planejamento de um ano e dois meses de antecedência. Eu sabia que não seria fácil e que exigiria um bom condicionamento físico. Para não dizerem que estou tentando fazer sensacionalismo, pego uma carona nos trechos do livro Caminhos da Aventura de autoria de Sérgio Beck, com as seguintes citações sobre A Travessia: A travessia é uma aventura selvagem e belíssima, exaustiva e relativamente inédita. Mas não é programa para tímidos, pelo árduo exercício de subir e descer lajotas e matações, muitas vezes acompanhado de penhascos (sempre potencialmente perigosos)”.

O nosso desafio começou numa quarta-feira, quando um amigo, Isnaldi, deixou-nos na base de saída para chegar ao Itaguaré. Gabriel e eu, então iniciamos a subida que nos levaria a 2.308m de altitude. Nós já havíamos acampado no Itaguaré, entretanto, nunca havíamos realizado A Travessia. Em três horas de mata fechada e subida que exigiu muito de nosso físico, conseguimos chegar ao Pico do Itaguaré. Foi necessário que acampássemos ali naquele dia, para que pudéssemos nos adaptar à altitude. Fizemos nosso almoço e ambos sentíamos tonturas todas vezes que tínhamos que levantar de algum lugar que estávamos sentados. Descobrimos que havia um outro grupo acampado por lá com um pessoal do bairro Pinheirinho de Passa Quatro-MG. Fiz amizade com o líder do grupo e ficamos todos juntos. Antes do anoitecer, uma tradicional escalada numa montanha para ver o pôr-do-sol e depois as luzes das cidades se acendendo ao cair da noite. Avistamos do lado do Estado de São Paulo a cidade de Cruzeiro, Cachoeira Paulista, Canas, Lorena, Guaratinguetá, Lorena, Aparecida e Roseira. Do lado do Estado de Minas Gerais avistamos Marmelópolis e Passa Quatro. Por volta das 22:00h fui dormir. Acordei por volta das 2:00h da madrugada para consultar o termômetro que estava amarrado do lado de fora da barraca. Como eu esperava marcava 3 graus negativos. Isto porque não quisemos retirar uma capa plástica do termômetro para protegê-lo. Se lacrado na embalagem, a temperatura apontava –3° C, provavelmente a temperatura real girou em torno de –5° C. Aquela temperatura me lembrou a última hipotermia que tive naquele mesmo local. Desta vez levei um isolante térmico, o que ajudou um pouco. Das 5:40h em diante, não consegui dormir mais. A temperatura permanecia muito baixa e eu comecei a esperar o sol nascer com todas as blusas, calças e gorros que levei dentro de meu saco de dormir. Por volta das 6:00h, resolvi sair da barraca e vi que outros faziam o mesmo. Aguardamos o sol nascer. Gabriel não dormiu bem durante a noite e estava com a pressão baixa. Pálido, ele comeu algumas bolachas salgadas e depois melhorou. Desmontamos acampamento, nos despedimos do grupo e partimos por volta das 8:00h da manhã para realizar A Travessia propriamente dita.

Eu sabia que os melhores montanhistas, conseguem fazer A Travessia entre 8 a 10 horas. Esse era o nosso desafio. A Travessia apresenta pouquíssimos pontos para acampamento, e, depois que você passou destes raros pontos, você tem que chegar ao Marins que é o próximo local de acampamento. Ao sair, percebemos que seria o maior desafio enfrentado por nós. Existiam lugares, fendas de rochas, que tínhamos que entrar sem mochilas, depois pegá-las para transpô-las, passando por estas fendas que pareciam cavernas. A trilha fechada no início, fazia com que arbustos enroscassem em nossos pés, corpos, mochilas e dificultavam bastante a nossa movimentação. Eu assumi a frente que sempre revezávamos em algumas investidas nas montanhas, puxando um bom ritmo no começo. Era necessário que isto fosse feito enquanto dispúnhamos de mais energias. As mochilas estavam extremamente pesadas, assim, descartamos dois litros de água para diminuir o peso que parecia aumentar enormemente com a caminhada. Com este descarte, tínhamos que chegar ao Marins a qualquer custo, pois A Travessia não apresenta água segundo o relato de alguns montanhistas. A água que tínhamos era apenas para beber e cozinhar no almoço. Continuamos nossa jornada e logo começamos a escalar e descer montanhas, exigindo mais preparo e atenção. Eu rezei para não encontrar bichos peçonhentos como as cobras venenosas. Também não queria me deparar com nenhuma Jaguatirica e suas crias ou onças que os moradores que moram naquela região afirmam existir. Algumas horas caminhando e fizemos uma pequena parada no topo de uma montanha, ocasião em que avistamos o pessoal de Passa Quatro no alto do Pico do Itaguaré. Pareciam formiguinhas pela distância, mas nós gritamos e por causa do eco e a propagação do som nas montanhas, eles ouviram e retornaram com gritos. Continuamos nossa árdua jornada em busca da Pedra Redonda, pois pretendíamos fazer o almoço por volta das 13:00h em uma clareira que relataram haver perto dela. Era 13:00h e estávamos exaustos, precisávamos parar e nada de encontrar a Pedra Redonda. Paramos em um pequeno descampado, cozinhamos e descansamos por trinta minutos. Como não podíamos ficar mais tempo, ajeitamos as mochilas e partimos novamente. Mais montanhas pela frente. O que aliviava era o belíssimo visual pela frente. A natureza nos presenteava a cada instante, com um céu azul, montanhas, flores e alguns pássaros. A subida exigia muito esforço e as descidas exigiam de nossos pés, que devido à pressão que fazíamos para não cair nas inclinações, sofriam com as pontas dos calçados. Enfim chegamos a tão esperada Pedra Redonda. Tiramos algumas fotos e já partimos logo em seguida, pois tínhamos que chegar ao Marins antes do anoitecer. A partir dali, é o que chamo de caminho sem volta. A partir daquele ponto só tínhamos uma alternativa, chegar ou chegar ao Marins. Se escurecesse antes, não haveria local de acampamento. Começamos a sentir o cansaço chegar. A cada montanha que escalávamos, vinha outra mais alta em seguida. Eu estava à procura de uma montanha chamada Marinsinho, pois esta montanha indicaria que estaríamos perto do local para passar a segunda noite. Seguiram-se sucessões de montanhas e nada de encontrá-la. A tarde caia e a temperatura baixava rapidamente, ocasião em que nos deparamos com um imenso paredão de uma montanha com duas cordas penduradas.    Cansados e com mochilas pesadas, tivemos que encarar. Paramos poucos minutos e fizemos mais algumas fotos na ocasião. Neste momento, vi a viola em caco, pois a corda que eu segurava na ocasião cedeu um pouco, o suficiente para me dar um bom susto, Se eu caísse por ali, só Deus poderia me salvar com infinita misericórdia. Ultrapassamos mais este obstáculo e continuamos caminhando. Nosso ritmo de escalada e caminhada havia caído muito devido ao cansaço e às dores nos pés. Entretanto, não havia como parar e tínhamos que continuar. Em certas ocasiões, minhas pernas não obedeciam mais e tinha que me agarrar em alguns arbustos para não cair. Em outras, enroscava os pés em algumas touceiras de capim elefante e alguns tombos foram inevitáveis, ainda bem que não em locais fatais. Muitas vezes em locais que os tombos podem ocorrer, o que nos salva são algumas vegetações extremamente enraizadas nas montanhas. Enfim avistamos o Marinsinho. Estava escurecendo. Fomos pegar água e montamos o acampamento. Tivemos que usar lanternas para terminar de montar a barraca. Comemos um sopão, depois entramos na barraca tremendo de frio, trocamos meia dúzia de palavras e desmaiamos. Acordei com o vento tocando a barraca. Liguei a lanterna e fui olhar o termômetro. Estava –2 graus negativos, mas a sensação térmica era de fazer muito mais frio devido ao vento. Mesmo com muitas blusas, Ivanhoé (toca ninja), gorro e dentro de meu saco de dormir para baixas temperaturas; ainda consegui sentir frio em algumas ocasiões durante a noite. Depois das 5:00h da manhã não dormi mais e comecei ansiosamente esperar o sol nascer. Quando amanheceu foi um alívio. Preparei um capuccino para nós e subimos o Marins (1422 metros de altitude) para mais algumas fotos e vislumbrar o visual. Logo depois descemos, desarmamos as barras e começamos a descida do Marins que levaria algumas horas. Como tínhamos horário do resgate marcado na tarde de sexta-feira, descemos sem paradas. O tempo ameaçava mudar, mas depois firmou. Chegamos exaustos no ponto de resgate.

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Lições das Montanhas:

Enquanto eu caminhava nas montanhas, fiz algumas reflexões, ocasião em que me lembrei de minha família, dos companheiros de trabalho e de meus alunos. Pensei se havia algo a transmitir de bom sobre aquela experiência que estava vivendo. Gosto das montanhas, porque elas são uma verdadeira experiência de vida, para não dizer que é a própria vida em exemplos. Em uma das ocasiões realizando A Travessia, eu esperava avistar a montanha para acampamento. Entretanto, cada vez que chegava no topo de uma montanha, avistava uma mais alta e íngreme depois. Isto aconteceu sucessivas vezes. A vida é assim também. Quando superamos um obstáculo, virá outro maior pela frente. Muitas pessoas desanimam e permanecem estáticas no caminho da vida, assim como os montanhistas poderiam querer permanecer no meio das montanhas. No entanto, em ambas situações, permanecer estático, sem se movimentar, é a mesma coisa que parar e esperar a morte chegar. Na vida, devemos lutar pelos nossos objetivos até o final. Cabe apenas enfatizar que em algumas vezes temos que mudar de rota, mas isto não significa que devemos perder o foco. O rumo muda em certas situações apenas para evitarmos acidentes fatais, mas os nossos objetivos-fins devem ser mantidos e alcançados sempre.

 

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As montanhas trazem paisagens e uma natureza surpreendente. No caminho existem bromélias, flores silvestres, aves de rapina e outras belezas. Existem algumas flores inclusive, que nascem nos vãos das rochas. Fazendo uma analogia em relação a isto, até nos corações mais duros podemos encontrar beleza. Em contrapartida, existem arbustos com espinhos que nos machucam. Entretanto, estes nos salvam de tombos que podem ser fatais, ou seja, nem sempre o que achamos que é algo ruim, realmente é. As aparências realmente enganam. Muitas vezes o que parece ser ruim, já me salvou de tombos fatais. Nisto tudo, existe uma perfeição regendo o universo. Esta perfeição chama-se Deus, o Criador dos Céus e da Terra. Estar nas montanhas, é compartilhar com a a vida e a paz. Estar nas montanhas, é estar mais perto de Deus. Até a próxima!

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Pedra Redonda (Travessia Picos Itaguaré - Marins)

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          Cerração Matinal no Pico Itaguaré